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Eu tenho uma grande amiga que gosta de chamar seus casos amorosos de “príncipes”. Embora alguns estejam mais pra sapos ou pra algum membro real menos valorizado, são todos “príncipes”. Não sou das pessoas mais inclinadas ao romantismo da vida real, mas compreendo a denominação. A nobreza, mesmo em países republicanos como este no qual vivemos, sempre inspirou um delicioso encanto e mistério.
Hoje eu fui ao cinema assistir uma rainha de verdade: Helen Mirren.
O ruim de assistir filmes indicados ao Oscar é que é difícil dissociar a indicação da sua critica pessoal, ou seja, é difícil assistir sem pré-julgamentos, sem pensar nas indicações. Dessa forma, é praticamente impossível assistir Mirren sem lembrar do Globo de Ouro e das milhares de criticas positivas que já li sobre seu desempenho em A Rainha ( The Queen, de Stephen Frears, 2006 ).
O filme mostra os bastidores da família real, com enfoque, obviamente, na rainha Elisabeth II, em um momento bastante delicado de seu ainda atual reinado: os dias que precederam o funeral de Lady Di, em 1997. Pela primeira vez, nós, meros-mortais-não-escolhidos-por-Deus tivemos acesso, ainda que fictício, a esses dias pelo lado de dentro.
Helen Mirren assusta pela semelhança física com a rainha da vida real. Felizmente, esse não é nem de longe o ponto principal de sua performance. Não há um suspiro, um olhar, um momento sequer no qual ela fuja do personagem, uma mulher nascida e criada dentro de restritas e intolerantes tradições, que preza por estas e pelo legado de sua família, e vê de perto a possibilidade do desmoronamento de tudo isso ao recusar se expressar publicamente ou demonstrar condolências pela mulher que, apesar de ter sido um ícone de classe, beleza e caridade, passou a vida inteira tentando transgredir e abolir tudo o que Elisabeth II mais amava.
A rainha é, no filme, o que foi tantas vezes da sua vida real: coadjuvante. Embora no longa seja tecnicamente a protagonista, Mirren acaba por assumir, propositalmente, um papel quase que secundário. E não só por ser figura de uma monarquia parlamentarista na qual o rei reina mas não governa (vamos combinar...ela não apita em nada...), mas em relação à própria Diana. Não a mulher, mas o legado e o carisma da “princesa do povo”, que tantas vezes em vida ofuscou o brilho da família real e, com sua morte, conseguiu dar ainda mais dor de cabeça.
O filme me chamou atenção e, convenhamos, me ganhou, por ser uma obra iconoclasta. Há não só a destruição do ícone, como isso é feito pela humanização dele. Ultrapassa-se a imagem da rainha e o respeito e temor que a mesma nos impõe e nos mostra a mulher, a avó cuidadosa e preocupada, dividida entre os afazeres da família e o papel perante a sociedade que foi forçada a assumir. No fim das contas, o ser humano confuso diante da inevitável “modernização” e conseqüente abolição de tudo aquilo que ela acreditou durante toda a vida, como evidencia a cena na qual ela chora sozinha e em silêncio, e como dedica ao cervo morto a emoção e o pesar que talvez gostaria de mostrar à mãe de seus netos.
A Rainha foi um daqueles filmes que me fez sair pensando em várias coisas.
Hoje eu fui ao cinema assistir uma rainha de verdade: Helen Mirren.
O ruim de assistir filmes indicados ao Oscar é que é difícil dissociar a indicação da sua critica pessoal, ou seja, é difícil assistir sem pré-julgamentos, sem pensar nas indicações. Dessa forma, é praticamente impossível assistir Mirren sem lembrar do Globo de Ouro e das milhares de criticas positivas que já li sobre seu desempenho em A Rainha ( The Queen, de Stephen Frears, 2006 ).
O filme mostra os bastidores da família real, com enfoque, obviamente, na rainha Elisabeth II, em um momento bastante delicado de seu ainda atual reinado: os dias que precederam o funeral de Lady Di, em 1997. Pela primeira vez, nós, meros-mortais-não-escolhidos-por-Deus tivemos acesso, ainda que fictício, a esses dias pelo lado de dentro.
Helen Mirren assusta pela semelhança física com a rainha da vida real. Felizmente, esse não é nem de longe o ponto principal de sua performance. Não há um suspiro, um olhar, um momento sequer no qual ela fuja do personagem, uma mulher nascida e criada dentro de restritas e intolerantes tradições, que preza por estas e pelo legado de sua família, e vê de perto a possibilidade do desmoronamento de tudo isso ao recusar se expressar publicamente ou demonstrar condolências pela mulher que, apesar de ter sido um ícone de classe, beleza e caridade, passou a vida inteira tentando transgredir e abolir tudo o que Elisabeth II mais amava.
A rainha é, no filme, o que foi tantas vezes da sua vida real: coadjuvante. Embora no longa seja tecnicamente a protagonista, Mirren acaba por assumir, propositalmente, um papel quase que secundário. E não só por ser figura de uma monarquia parlamentarista na qual o rei reina mas não governa (vamos combinar...ela não apita em nada...), mas em relação à própria Diana. Não a mulher, mas o legado e o carisma da “princesa do povo”, que tantas vezes em vida ofuscou o brilho da família real e, com sua morte, conseguiu dar ainda mais dor de cabeça.
O filme me chamou atenção e, convenhamos, me ganhou, por ser uma obra iconoclasta. Há não só a destruição do ícone, como isso é feito pela humanização dele. Ultrapassa-se a imagem da rainha e o respeito e temor que a mesma nos impõe e nos mostra a mulher, a avó cuidadosa e preocupada, dividida entre os afazeres da família e o papel perante a sociedade que foi forçada a assumir. No fim das contas, o ser humano confuso diante da inevitável “modernização” e conseqüente abolição de tudo aquilo que ela acreditou durante toda a vida, como evidencia a cena na qual ela chora sozinha e em silêncio, e como dedica ao cervo morto a emoção e o pesar que talvez gostaria de mostrar à mãe de seus netos.
A Rainha foi um daqueles filmes que me fez sair pensando em várias coisas.
Em primeiro lugar, me fez voltar pra casa pensando em algo sério: como aqui no Brasil somos tão carentes de heróis. Não tivemos participação ativa em guerras, tampouco grandes e heróicas batalhas em nossa historia. Tivemos um ou dois grandes inventores e pensadores. Dessa forma, admiramos e glorificamos jogadores de futebol, integrantes de reality shows e celebridades descaradamente manipuladas e montadas. E isso é muito, muito triste. Heróis existem para serem admirados e quase que endeusados. São melhores, mais capazes que nós. Ok, são seres humanos passiveis de erros, mas conseguiram feitos fantásticos e admiráveis, tanto intelectual quanto fisicamente. Não podem se igualar tão facilmente aos meros súditos e, ainda assim, até mesmo Chico Buarque, um dos melhores de nós hoje e sempre, podemos encontrar facilmente caminhando pela praia do Leblon. É triste não ter heróis do nosso povo, que falem português e tenham sangue latino-negro-branco-índio correndo nas veias. Porque, perdoem-me os fãs, mas não quero criar meu filho pra ele ser igual ao Ronaldinho Gaúcho. Morreria se minha filha virasse pra mim e falasse “mãe, tudo que eu mais quero na vida é rebolar num grupo de axé.”.
Em segundo lugar, A Rainha conseguiu o que eu não esperava: me fez ter um pouco mais de afeto por Elisabeth II. Confesso que fazia parte da multidão que lamenta todos os dias a morte de alguém como Diana, uma perda irreparável para a humanidade num geral, e achava um profundo absurdo a posição da Rainha em relação a tudo que aconteceu. Hoje, depois de ver o filme, consigo entende-la mais. E isso é bom. Quando o cinema consegue mudar sua concepção sobre alguma coisa para a melhor é quase que um milagre.
Em segundo lugar, A Rainha conseguiu o que eu não esperava: me fez ter um pouco mais de afeto por Elisabeth II. Confesso que fazia parte da multidão que lamenta todos os dias a morte de alguém como Diana, uma perda irreparável para a humanidade num geral, e achava um profundo absurdo a posição da Rainha em relação a tudo que aconteceu. Hoje, depois de ver o filme, consigo entende-la mais. E isso é bom. Quando o cinema consegue mudar sua concepção sobre alguma coisa para a melhor é quase que um milagre.
E é para buscar, diária e apaixonadamente esse milagre, que eu vivo.
Os súditos se curvaram diante da Rainha em uma das ultimas seqüências, quando ela vai com a família real ver as flores deixadas para Lady Di na porta do Palácio. Que a Academia também preste sua reverência a Helen Mirren com um daqueles bonequinhos dourados tão cobiçados. Seria, finalmente, o reconhecimento máximo do seu inegável talento.
Não, não vai levar Melhor Filme. Mas isso não importa agora. A Rainha atinge um objetivo maior sem precisar da estatueta. Nele, vemos o que não vimos e, espera-se, calamos os precipitados julgamentos.
No mais, até mais.
Carolina
Os súditos se curvaram diante da Rainha em uma das ultimas seqüências, quando ela vai com a família real ver as flores deixadas para Lady Di na porta do Palácio. Que a Academia também preste sua reverência a Helen Mirren com um daqueles bonequinhos dourados tão cobiçados. Seria, finalmente, o reconhecimento máximo do seu inegável talento.
Não, não vai levar Melhor Filme. Mas isso não importa agora. A Rainha atinge um objetivo maior sem precisar da estatueta. Nele, vemos o que não vimos e, espera-se, calamos os precipitados julgamentos.
No mais, até mais.
Carolina
7 comentários:
bom texto. loooongo, fala do brasil, mas é bem bom.
só uma coisa, pra vc que é ignorante: segundo meu professor de economia, a rainha da inglaterra não só apita como MANDA no mundo. =P
beijo more!
pfff.
td mundo sabe que quem manda naquelas bandas de lá é o Tonynho...
Vc acha q professor do BRASIL vai saber alguma coisa?? hauhauahauahaua
ai dennis..temos que amar mais a nossa pátria...tá mto feia essa situação...=P
Pavis, gostei bastante do texto, mas temos que levar em conta que o cinema tem uma tendência a tratar de forma eufêmica alguns monstros, em especial quando o filme relata especificamente a vida ou trechos da vida desses seres. O que você chama de "humanizar" eu prefiro chamar de "atenuar" e, com isso, "omitir".
Não gosto de Elisabeth e não compro a imagem romanceada que esse filme faz dela. Ela não é uma avó atenciosa, não é uma grande rainha, não é uma grande qualquer-coisa. Aliás, é: um enfeite conveniente que ajuda a rememorar uma era áurea da monarquia inglesa, que já foi embora há mais de um século.
Quanto ao fato de não termos heróis de verdade aqui (desconsiderando a relatividade extrema desse conceito e assumindo sua visão mais típica no senso comum), os determinantes domésticos e externos disso são imensos: a estrutura patriarcal e autoritária do nosso Estado, associada à marginalização internacional a que o país foi submetido e ao déficit educacional da nossa população, explicam, pelo menos em parte, isso. Se glorificamos personagens de reality shows, é porque talvez não fomos educados a ponto de saber identificar e explorar o nosso potencial.
De qualquer forma, parabéns pelo texto !
Bjs,
Diego.
Eu tenho a impressão de que os ingleses idolizam sua monarquia como abstração de processo político. Nisso, claro, são um pouco mais whimsical (bom, são ingleses, depois de tudo) que o modelo americano de herói (e não digo estadunidense aqui; nossos ronaldinhos são iguais) que são uma abstração de ascensão social; para o esteta inglês, a ascensão social é rídícula, e muito melhor drama rende o crepúsculo dos deuses. É assim que a monarquia se torna institucionalmente passiva sem grandes revoluções -- apesar da magna carta e de Cromwell -- porque um processo político de facto se concretiza e esvazia a âncora primitiva do grande líder carismático sem precisar romper com sua persona. O lado bom disso é que eles não mitificam um processo político concreto em ideal abstrato superior como se faz em França, E.E.U.U. ou por aqui. Em vez disso, há clara consciência do mecanismo do lobby, do poder das burocracias -- em britspeak, "mandarins" -- das aristocracias tradicionais e das aristocracias da high finance, enfim. É assim que onde Cuba tem um José Martí, os americanos têm um Ben Franklin e nós temos uns Castro Alves, os ingleses têm o gênio concreto de um David Ricardo, que no lugar de mitificar as transformações de uma era em ruptura de zeitgeist, aceita a realidade e tenta analisá-la. E vivam os ingleses :)
escreve coisa nova por*@$&&*%#¨)(!@#*_$*(&(#@ra!
Texto bem escrito, Carol.
Você me chamou a atenção para alguns pontos do filme que eu ainda não tinha considerado, como o fato de Hellen Mirren saber fazer de sua protagonista uma coadjuvante, algo que de certa forma se espera da rainha Elizabeth II. O desempenho de Hellen é impecável, como sempre. Gostei muito do filme, Stephen Frears soube dar a sua obra um caráter tão polido, sóbrio e contido quanto o de Sua Mejestade. O que acho interessante em perfomances e histórias como essa é algo que eu já te disse quando expliquei o porque torcia para o seu Joaquin Phoenix levar o Oscar de melhor ator ano passado: a capacidade de recriar um personagem real sem perder a personalidade. É isso que faz a atuação ir além de uma mera imitação. É isso que faz um personagem tirado da vida real protagonizar momentos íntimos que não são necessariamente verídicos, e ainda assim nos parecer sempre verossímel. Vida longa à rainha Mirren e a obras como a de Frears!
No mais, concordo com o Dennis: posta coisa nova aqui! Vim aqui querendo ler o tal texto sobre o Oscar e cadê?
Bjo, xuxu!
e pra acompanhar a maestria de hellen mirren no oscar...
yuhul, a jennifer hudson!
ano que vem o adam sandler ganha, ai eu nao me impressiono mais com nada!
no mais, apesar de longo - vc e isa adoram né- eu gostei.=)
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